MONTE MATEBIAN “UMU RAFA MATEBIAN” – DO TEMPO LULIK AO REINO DE CRISTO

MONTE MATEBIAN “UMU RAFA MATEBIAN” – DO TEMPO LULIK AO REINO DE CRISTO

Texto

Fernão Ximenes

Fotografias 

Isabel Nolasco, etc. 

O Monte Matebian é o segundo monte mais alto em Timor-Leste. Encontra -se no Distrito de Baucau, Posto Administrativo de Quelicai. É um lugar sagrado onde timorenses acreditam que os espíritos de seus antepassados residem, sobretudo os espíritos dos que morreram durante a ocupação da Indonésia. No cimo da montanha (Umu Rafa Asukai), do lado direito, encontra-se a estátua de Cristo Rei, benzido pelo D. Carlos Filipe Ximenes Belo em 1993.

Para o povo de Lorosa'e, zona leste do país, o Matebian é o maior de todos os montes que lá existem. Tem 2316 m de altitude. Na língua Makassae, que é a língua mais falada da região leste (Baucau, Viqueque e Lautém), Monte Matebian é chamado "Umu Rafa", o que significa o lugar dos espíritos. Segundo os velhos contavam, à tarde no Matebian ouviam-se as conversas, os gritos e os gemidos das almas sofredoras por serem punidas. De acordo com a história, nos tempos antigos foram encontrados dois cadáveres nas duas montanhas que, naquela época, ainda não tinham nome. Na montanha mais alta encontrava-se o cadáver de um homem que é considerado o cadáver de um rei. É por isso que é chamado pelo nome "Umu Rafa Asu Kai" / Matebian Mane ou Matebian homem. Por outro lado, na segunda montanha, o cadáver de uma mulher é interpretado como o cadáver de uma Rainha. Portanto, a montanha recebeu o nome de "Umu Rafa Tufu Rae "/ Matebian Feto ou Matebian mulher. Segundo as crenças, no pico de Matebian havia também uma fonte de água cristalina. Próximo desta fonte residiam três príncipes que eram considerados filhos de uma família que foi a primeira família a morar na montanha. Os três príncipes tinham tendências para a caça e aventuras. Maulere é o nome do primeiro príncipe, o segundo é Maukelecai e o terceiro é Maunahono.

Segundo o que dizem, o primeiro príncipe desceu da montanha e fundou uma aldeia que é chamado Maluru, que consiste a área de Laisorulai, Abo, Lelalai e Maluro. O segundo príncipe foi para a zona leste e fundou as aldeias de Quelicai, Sirilaku e Lawateri, enquanto que o terceiro príncipe fundou uma aldeia em Letemumo, Macalaco, Fatumaca, Waibobo, Nahareca. A língua usada por todas as aldeias que os três príncipes fundaram é o Makassae.

Numa época em que o rei We Hali estava no auge do seu trinfo, antes da chegada dos portugueses, os descendentes de Maulere eram governados pelo reino de Luka (Viqueque); os descendentes Maunahono eram governados pelo reino de Waimasin (Vemasse) e os descendentes de Maukelecai tornaram-se parte do reino de Festau ou Bidau-Larantuka.

Desde então o Monte Matebian tornou-se um lugar lulik (lugar sagrado). As casas sagradas foram erguidas para a morada dos espíritos dos descendentes de Maulere, Maukelecai e Maunahono. Daí em diante, até 1975, nenhuma pessoa estava autorizada a subir o Monte Matebian, a menos que fosse "Sobu gi Gauwa"/ Lia Nain, e "Kuku gi Gauwa"/ Lulik Nain que se refere a figuras tradicionais que, uma vez em cada sete anos, têm que subir o Monte Matebian para realizar cerimónias tradicionais ou "Umurae fahana" - alimentar os espíritos dos antepassados.

Na História Moderna da sociedade timorense (1976-1980), o Matebian é a arena da maioria de acontecimentos terríveis. Foi aí que muitas populações timorenses viveram o drama de uma vida cheia de sofrimento e da morte. No início de 1976, com a chegada do exército da Indonésia, a Fretilin obrigou a que a maioria das populações saíssem para longe das suas vilas e aldeias e procurassem refúgio nas montanhas e nas planícies do leste de Timor-Leste. Começaram então as fugas para Matebian, para áreas de Waimori, Bibileu, Kablake, Taroman e para as planícies de Natarbora e Beco-Suai. Matebian foi um centro de refugiados para centenas de populações de Lospalos, Iliomar, Luro, Baguia, Watolari, Ossu, Vanilale, Fatumaca de Baixo, Fatumaca de Cima, Quelicai, etc. Em 1977 e 1979 houve momentos dramáticos porque muitas pessoas morreram lá. De acordo com alguns testemunhos, toda a população de uma Aldeia de Waibobo morreu nas cavernas devido uma saída que foi coberta por pedregulhos causados pelos bombardeamentos dos Aviões da Força Aérea da Indonésia. Este acontecimento veio reforçar ainda o sentido do nome que se dá ao monte – Matebian, ou seja, o lugar onde residem almas ou espíritos. Mas a história desse lugar sagrado não acaba por aqui.

Na manhã de 10 de outubro de 1993 começou uma era nova para o Monte Matebian. Realmente, passado o velho tempo, o tempo dos videntes de Lulik (sagrado) começou uma nova era, a era do reino de Cristo.

Este dia 10 de outubro foi um dia comovente e muito significativo para a comunidade dos Católicos de Timor-Leste. É o dia em que se comemora liturgicamente a festa do Cristo Rei e um dia de silêncio e de homenagem para as pessoas que morreram no Monte Matebian. Foi um dia memorável para 15.000 (quinze mil pessoas) que escalaram o monte, mas também para quem ficou nas suas casas, nas aldeias e nas paróquias que participaram e acompanharam de longe em seus corações a subida triunfal do Rei (Cristo Rei) ao topo da montanha "Matebian-Mane".

Recorda-se que em agosto de 1993 foi realizada em Denver (EUA) a celebração da Jornada Mundial da Juventude, que contou com a presença do Papa João Paulo II, que reuniu mais de 500.000 jovens. Este motivo levou ainda o Administrador Apostólico da Diocese de Díli, Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, SDB, na altura, a reunir também os jovens católicos de Timor-Leste. E os jovens estavam muitos ansiosos para comemorar seu dia no Monte Matebian. Portanto, a Diocese de Díli planeou a realização de uma peregrinação com a intenção de colocar uma estátua do Cristo Rei no pico de Matebian, que até então ainda era considerado o lugar dos espíritos. Para dar um significado cristão ao Monte Matebian incutindo, ao mesmo tempo, uma esperança cristã na montanha Matebian como cenário dos trágicos acontecimentos dos anos setenta, cerca de 15.000 jovens, pais, educadores, padres, bispo, mudaram o significado da montanha Matebian para o lugar de Jesus Cristo, o Rei de todos os reis. Desde aquele tempo o Monte Matebian passou a ser um dos lugares de peregrinação e de encontro da fé.

 

 

Bibliografia

Belo, Carlos Filipe Ximenes, Demi Keadilan dan Perdamaian, Direção de Peter TukanDomingos de Sousa, Editor Komisi Keadilan dan Perdamaian Dioses Dili, 1997.

Belo, Carlos Filipe Ximenes, História da Igreja em Timor-Leste (2º Volume): 450 anos de Evangelização (1940 – 2012), Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 20116

Ruy Cinatti; Leopoldo de Almeida e António de Sousa Mendes, Arquitetura Timorense, Instituto de Investigação Científica Tropical Museu de Etnologia, Lisboa, 1987.

Timor Lorosae - A Terra e o Povo, Edição CIC -Portugal, Lisboa, 1999

https://en.wikipedia.org/wiki/Wehali

 

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